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A última contemplação

Era uma manhã fria e sombria, o sol, como com receio de se apresentar, espreitava entre as nuvens que pairavam sobre a praça central. Um cenário melancólico desvelava-se, atraindo a atenção do povo de forma enigmática.

No epicentro da cena, permaneci em pé em meio à plataforma de presença imponente. De repente, meus olhos cintilantes, como estrelas em meio à escuridão, numa busca desesperada, se fixaram na beleza que me cercava, em uma dança encantada com o mundo ao redor.

Enquanto aguardava meu final iminente, a atmosfera se transformava sutilmente. O vento, como um sussurro dos deuses, acariciava suavemente a pele, trazendo uma sensação de carinho e uma intrigante tranquilidade. As folhas das árvores, como bailarinas etéreas, curvavam-se graciosamente em uma sinfonia celeste, como se dançassem em harmonia com o vento. O aroma das flores selvagens, como um perfume raro e efêmero, envolvia o ar com uma essência divina, trazendo um frescor revitalizante para os sentidos.

A paisagem circundante se estendia majestosamente, com as montanhas recortando o horizonte, criando uma silhueta imponente e misteriosa. O rio, como um fiel confidente, seguia seu curso sereno, acompanhando uma figura solitária que caminhava em sua margem, absorta em suas atividades ordinárias, parecia ignorar a importância magistral daquele momento, como se a poesia da vida estivesse a lhe passar despercebida.

Não havia espaço para amargura ou remorso nos pensamentos, apenas uma comunhão romântica com a poesia do mundo. Absorvia a beleza com avidez, como um amante sedento das musas divinas. Em meio a esse encanto, um suave pesar me abraçou, como uma lembrança tardia, por antes não ter apreciado tanta beleza.

A multidão, em seu silêncio respeitoso, sentia-se tocada pela aura poética que me envolvia. Enquanto uns aguardavam ansiosamente pelo desfecho inevitável, outros pareciam participar de uma liturgia em que a beleza da vida se unia à fugacidade do tempo.

De repente, tudo escureceu e meus olhos, há pouco tão vibrantes com a exuberância da natureza, agora não viam nada além da noite. Então, a plataforma pareceu ganhar vida, balançando como um verso final em uma música perfeita, abrindo-se sob meus pés. O mundo ao redor, como uma estrofe derradeira, pareceu ecoar em um coro de despedida. O destino, como um poema trágico, cumpria sua sentença, levando-me para o ato final.

Naquele exato momento, vi-me envolto por um turbilhão de sentimentos. Um arrependimento tênue acariciou-me, como uma memória que desperta tarde. Aquela ocasião singular proporcionou-me a derradeira e transitória chance de acatar o anseio negligenciado por tanto tempo de deleitar-me com a beleza e a simplicidade do mundo que me cercava. Ainda assim, a visão de há pouco permaneceu em minha essência, como um poema que não se apaga da memória.

O momento derradeiro chegou com uma aura de contrição e aceitação, como quem entende a poesia oculta em cada detalhe efêmero da existência.

E, no silêncio desse desfecho, parti, deixando para trás a imagem de alguém que, a despeito de uma história sombria, em sua jornada derradeira transcendeu os limites da realidade e descobriu que a vida é, em sua essência, um poema eterno, onde o belo e o trágico entrelaçam-se como estrofes imortais. A plataforma se abriu e parti, mas a memória da contemplação poética permaneceu por um segundo, como um canto suave em meio ao coro da vida.

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