Aos quarenta anos, Eugênio exibia uma estatura imponente, uma fortaleza física que desafiava as marcas do tempo. Sua presença robusta e vigorosa estava envolta em uma aura de juventude e vitalidade, como se a passagem dos anos tivesse sido suavizada por sua imponência. Casado com Eva por vinte e dois anos, ao longo desse tempo, a graça da paternidade lhes fora negada.
Sentados na sala de jantar, Eva
dirigia seu olhar ao prato de sopa fumegante, imersa em pensamentos que fluíam
como suaves murmúrios em voz alta: "Oh, doce e bela Helena, desafortunada
desde os primeiros suspiros de sua existência. Perdeu o pai num trágico
acidente, quando mal havia completado um ano de vida e agora, aos dezesseis
anos, na plenitude de sua adolescência, vê-se mais uma vez envolta pela cruel
sombra da perda; sua amada mãe parte diante da fúria avassaladora de um câncer,
que lhe arrebata a vida em meras semanas."
"Uma alma tão jovem, carrega
nos ombros o fardo de uma jornada marcada por ausências e despedidas
prematuras", compartilhou Eva com seu marido Eugênio. "Como se não
bastasse, a mãe, que enfrentava as agruras da pobreza, não deixou recursos para
garantir o sustento da menina", acrescentou. O discurso de Eva tinha
endereço certo. Nos últimos dias, buscava persuadir Eugênio de que eles, como
padrinhos de Helena, não poderiam se esquivar do dever de acolher e prover a
menina com os recursos necessários ao seu sustento, pelo menos até que
completasse os estudos.
Para Eva, acolher Helena em seu
lar não era apenas uma obrigação, mas também uma oportunidade de abraçar uma
filha por afinidade. A afilhada surgia como aquela capaz de preencher a lacuna
deixada pela ausência da maternidade, transformando o infortúnio em uma bênção divina.
Eugênio inicialmente revelou-se resistente
à ideia. Naquela fase da vida, não lhe parecia sensato ponderar a possibilidade
de ter filhos, ainda mais mediante a adoção de uma jovem praticamente adulta. No
entanto, o desejo ardente de Eva prevaleceu, e Helena instalou-se na residência
do casal, sob o olhar inquieto do marido.
Helena, mesmo diante das
adversidades que abraçaram a sua existência, exibia uma postura envolta em
leveza e doçura, cativando a todos ao seu redor com uma gentileza que fluía de
maneira suave e encantadora. Sua presença irradiava uma alegria e delicadeza
que se destacavam de forma notável em contraste com a complexidade de sua
própria jornada. Seu olhar, impregnado de uma inocência infantil, persistia
como um refúgio frente à maturidade que espreitava à sua porta. Os cabelos
loiros emolduravam um rosto de traços delicados, emanando uma beleza
contagiante que tocava os corações com sua graciosidade.
Apesar da resistência de Eugênio,
ele não podia ignorar as notáveis qualidades de Helena, tanto em sua candura
quanto em sua beleza exterior. De fato, a última não escapou à sua percepção
desde a cerimônia do sepultamento de sua mãe, quando avistou a jovem quase-mulher,
após anos de afastamento. Um sentimento complexo e conflituoso surgiu em seu
peito, enquanto ele reconhecia a sua graciosa presença.
Desde o princípio, as posturas do
marido e da esposa em relação a Helena foram nitidamente opostas. Eva, desde
cedo, acolheu a jovem como uma filha, envolvendo-a com o amor e o conforto
materno de que tanto necessitava. Entre elas, criou-se uma simbiose onde as
necessidades de uma encontravam a correspondência na outra.
Já Eugênio exibia uma reserva em
relação à moça que, por vezes, desconcertava Eva. Apesar do comportamento austero
que delineava sua vida pública, nos bastidores de sua vida privada, Eugênio
sempre revelara ser uma alma sensível e afetuosa. O contraste entre sua ternura
habitual e a aparente frieza com Helena intrigava a esposa, lançando um véu de
dúvida sobre a atitude do marido.
Os dias e meses escoavam
velozmente, e com o passar do tempo, as emoções se aprofundavam. Eva estreitava
os laços maternais com Helena, uma conexão que era prontamente correspondida
pela filha adotiva. Entretanto, Eugênio encontrava-se cada vez mais perplexo em
relação aos seus próprios sentimentos. Essa confusão começou a lançar sombras
sobre o seu relacionamento com Eva, o que outrora era firme como uma rocha e
límpido como um dia de verão, agora se via envolto em nebulosas de incerteza.
Antes, a segurança e a clareza que caracterizavam a relação com Eva pareciam
inabaláveis, mas as dúvidas de Eugênio começaram a lançar sombras sobre essa
estabilidade.
Helena desfrutava de uma sensação
de crescente conforto. A aparente indiferença do padrinho era recebida com
naturalidade, afinal, a jovem, criada ao lado da mãe, não tinha referências de
uma figura paterna. Em ocasiões escassas, aguardadas com paciência voluptuosa
por Eugênio, ela passeava deliciosamente pela sala envolta em um traje de
dormir simples, composto por uma camisola leve. Eugênio, habilidosamente
disfarçando sua atenção, não deixava despercebidos os detalhes revelados pela
translucidez do traje de Helena, um jogo provocante que brotava do contraste
com os raios de luz que escapavam da cozinha. Em raros momentos, como se
guiadas por uma artimanha celestial, as sombras e luzes se alinhavam, revelando
em seu colo silhuetas de contornos entumecidos. Em outras instâncias,
destacavam-se formas esculpidas pelos mais provocantes cinzéis da natureza.
Incerto quanto à veracidade de suas memórias, Eugênio questionava-se se teria,
de fato, vislumbrado uma tênue mancha escura a se destacar no baixo ventre. Neste
momento, sua mente, envolta pelo vendaval de emoções intensas, encharcada pelo
dilúvio de sangue que jorrava das pulsantes batidas do coração, já não
conseguia discernir entre o desejo e a realidade.
Eugênio sentia-se à beira da
loucura, mergulhado num estado de confusão. Convencera-se de que Helena o
provocava intencionalmente. Enquanto demonstrava ternura e dedicação diante de
sua esposa, nos bastidores, Helena parecia tecer uma teia sutil de sedução,
alimentando o tumulto crescente nos recônditos de sua mente. As interações
cotidianas, marcadas por olhares sugestivos e gestos que escapavam à inocência,
eram evidências de sua astúcia sedutora. As palavras delicadas de Helena, às
vezes carregadas de duplo sentido, revelavam que sua verdadeira intenção sempre
fora encantá-lo. Eugênio debatia-se numa tempestade de desejos proibidos e
ilusões, questionando a sanidade de suas próprias percepções diante do jogo
intrigante que Helena parecia orquestrar com maestria.
Dias se passaram...
A existência, por vezes, se
entrelaça com obscuras sombras. Em um momento imprevisto, as circunstâncias lhe
pegaram desprevenida, rompendo com o hábito de voltar para casa acompanhada por
amigas de colégio. Helena percorria os trajetos de um parque, uma rota familiar
entre a escola e seu lar. O vento sussurrava entre as árvores, enquanto o sol
lançava seus raios dourados, criando um cenário impregnado de serenidade.
Naquele dia, um capítulo não
escrito se delineou na sua já trágica história e outro acontecimento sinistro
se materializou. As árvores, testemunhas silenciosas, ocultaram a tragédia que
se desenrolava entre suas folhagens. O que transcorreu naquele momento foi além
da compreensão humana, uma violência que desafiou a própria natureza. A mente
lutava para entender o horror que se desenrolava.
Em meio ao tumulto, uma força
avassaladora lhe empurrou, e o solo rochoso acolheu seu corpo vulnerável. Num
impacto cruel, sua cabeça encontrou a dureza impiedosa de uma rocha. O mundo
girou em um turbilhão caótico, os sentidos desapareceram, até que a escuridão lhe
envolveu em seu abraço silente.
Nesse momento de profundo
desespero, o firmamento pareceu perder seu brilho, e a inocência que fora um
traço fundamental da sua alma foi tragada por uma maldade que desafiou qualquer
compreensão.
Após um lapso de tempo impossível
de ser avaliado, Helena acordou ainda tonta e inconsciente do que se passara.
Sentiu um líquido quente a molhar a fina pele das coxas e, num gesto de defesa
e confusa curiosidade, levou as mãos até o local para se assegurar do que se
tratava. Era sangue que corria em abundância. E assim, o seu já trágico percurso
foi indelevelmente marcado por um ato perturbador originado de uma mente
enferma.
Poucas semanas haviam se
desenrolado, envoltas em um matiz melancólico, quando eclodiu uma notícia
alarmante, adicionando peso às já frágeis circunstâncias. Diante de Helena se
apresentou o resultado fatídico de um teste de gravidez, um passo apenas
pragmático, mas que revelou o incontestável: estava grávida.
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