Existem eventos em nossa jornada que desafiam a erosão do tempo e se imortalizam nas páginas da vida com uma tinta indelével. Embora possam parecer situações simples e desimportantes, essas relíquias singelas desencadearam impactos significativos em nossa existência, justificando a impressão profunda que deixaram em nossas memórias.
Recordo-me com ternura e inquietação de um episódio que se
desenrolou quando eu era uma menina de doze anos, nos primeiros indícios da
adolescência, quando o coração entrelaça a ingenuidade infantil com os
primeiros impulsos da puberdade.
Naquela época, meus pais possuíam um pequeno pedaço do paraíso,
um sítio no cume de uma serra, a certa distância de Natal, onde morávamos. Eles
não tinham o habito de convidar amigos para desfrutar desta beleza natural, no entanto,
num dado final de semana prolongado eles convidaram um casal para compartilhar
a serenidade e o encanto que emanavam daquele refúgio celestial.
Chegamos cedo da manhã e nos deparamos com uma paisagem
deslumbrante. No cume da serra, uma singela, porém acolhedora, casa emergia
entre um pomar que parecia se perder no horizonte, suas folhagens densas formando
um manto celestial sob o azul do firmamento. O sol, zeloso por sua própria
beleza, empenhava-se em se fazer notar, infiltrando seus raios dourados entre
as folhas, pintando fragmentos de um quebra-cabeça interminável no chão de
terra ainda orvalhada pelo sereno da madrugada. Ali, no silêncio da serra,
entre o perfume das flores e a suave melodia do vento, criou-se um cenário onde
o tempo parecia suspender-se, permitindo que a magia do momento tomasse conta dos
nossos corações.
O par de recém-casados, ambos na casa dos vinte anos, formava
uma imagem deslumbrante. A mulher, de uma beleza notável, revelava uma atitude
alegre e espontânea. Seus olhos azuis e penetrantes eram como janelas para a
alma, envolvendo-me com sua profundidade. Sua voz, alta e firme, quase
intimidadora, impunha uma autoridade que beirava o desafio, deixando no ar uma
presença marcante e imponente.
O marido, por sua vez, era um homem de notável encanto. Sua pele
bronzeada parecia irradiar o calor do sol que o havia abraçado. Com um cabelo
cortado curto à moda militar, revelava uma disciplina e ordem que se refletiam
em sua postura elegante. Seu corpo esbelto, moldado pelos rigores do exercício
físico, transmitia uma energia vibrante e uma presença física marcante. Cada
traço dele era como uma escultura, revelando uma harmonia perfeita entre força
e graciosidade. Sua atitude, forte e masculina, complementava a imagem de um
homem que parecia esculpido pelos deuses, uma personificação de vigor e beleza.
Desde o primeiro momento, experimentei uma atração imediata por
esse homem. Uma atração infantil e ingênua, porém intensa, que me envolvia como
as primeiras notas de uma melodia encantadora, despertando emoções que até
então eram desconhecidas para mim.
Desprovida da companhia de amigas, eu estava à vontade para
participar das atividades dos adultos, sem revelar meu desejo constante de
permanecer ao lado daquele convidado encantador.
A rotina cotidiana se diversificava entre churrascos, passeios
que desvendavam a beleza da natureza local e envolventes conversas noturnas sob
o brilho de um véu estrelado. Parte dessa visão celeste se via eclipsada pela
luminosidade da lua cheia, tornando supérflua qualquer forma de iluminação
artificial.
Os casais compartilhavam narrativas animadas de suas vivências
conjuntas, discutiam sobre variados temas contemporâneos, assuntos que não me
eram familiares e tampouco despertavam meu interesse. No entanto, sentia-me
irremediavelmente atraída pelo ambiente. Meus olhos, desobedecendo meus
próprios comandos, buscavam instintivamente o contato com os olhos daquele
homem divino, deixando-me perturbada. De tempos em tempos, eu me inseria na
conversa, proferindo alguma trivialidade, com o único propósito de estabelecer
algum contato com aquela criatura encantadora.
À noite, quando me retirei para descansar após um dia intenso,
uma inquietação tomou conta de mim. Sentia um desejo ardente de antecipar o
amanhecer, ansiosa por reencontrar o convidado e vivenciar um novo dia repleto
de emoções. Ao despertar, vesti-me apressadamente, porém sem descuidar da minha
aparência. Ansiosa pelo encontro no café da manhã, a decepção se instalou em
meu espírito ao perceber que, àquela altura, eu era a única pessoa acordada.
Os minutos se prolongavam, agravando minha inquietação, que só
encontrou alívio quando ele apareceu. A partir desse momento, meu estado de
espírito se metamorfoseou; o sorriso retornou ao meu rosto em profusão anormal,
prestes a denunciar minha satisfação incontida pela presença do convidado.
Ainda ecoam vivas em minha memória as lembranças inesquecíveis
das brincadeiras na diminuta piscina natural, nutrida pelas águas de um riacho
que descia graciosamente de sua fonte, serpenteando pelas encostas da serra em
busca de seu destino junto a um lago no sopé da montanha.
Naquele dia encantado, os homens, envolvidos pelo calor do
consumo de bebidas e impulsionados pela suave chuva que caía, decidiram
desafiar as águas daquele pequeno refúgio. Sentindo-me irresistivelmente
atraída pela agitação ao redor de uma bola arremessada de um lado para outro,
decidi participar da algazarra. Uma coragem rara me fez enfrentar o frio,
unindo-me à brincadeira. Desta vez, estava no centro da cena, tentando capturar
a bola. Nessa pequena aventura, por vezes, caí nos braços do meu admirado
amigo, criando uma intimidade inocente e efêmera que poderia se estender pela
eternidade.
A cumplicidade e a proximidade com o casal convidado cresciam a
cada instante, especialmente com meu amado amigo. Tão desejado que minha
atenção por ele, sem dúvida, já era percebida pelos outros e, o que era ainda
mais constrangedor, por ele próprio. No entanto, naqueles momentos, eu
acreditava estar isolada em meu doce fascínio, longe da percepção dos demais.
Os dias passaram velozmente, mas para mim, pareceram uma
eternidade. A ideia de deixá-los para trás me angustiava, mas o tempo
implacável nos conduziu até o desfecho inevitável. Silenciosamente, chorei sem
compreender os meus sentimentos. Algo precioso se despedaçava dentro de mim.
Na despedida, fui dominada pelo ódio de vê-lo partir, de ser
deixada para trás. A volta para casa tornou-se uma jornada solitária, onde as
memórias daqueles momentos especiais reverberavam a cada quilômetro percorrido.
O vazio da ausência dele preenchia o ambiente, e a saudade começava a desenhar
cicatrizes no coração.
Sua lembrança permaneceu em minha mente por semanas. No entanto,
a vida seguia e sua memória, pressionada pela rotina, foi buscar refúgio em um
recanto do meu coração. Em alguns dias aqueles momentos maravilhosos eram
apenas uma suave lembrança que desvanecia aos poucos.
No entanto, mesmo que a nitidez da recordação tenha diminuído, a
influência da sua presença continuou a moldar sutilmente minha jornada. Sua
passagem deixou vestígios que, de alguma maneira, contribuíram para a
construção da pessoa que sou agora, testemunha de um capítulo que se encerrou,
mas que ainda ecoa no meu coração.
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