O tempo sempre se insinuou em minha vida como uma presença ambígua, um companheiro de passos invisíveis que ora estende a mão para suavizar, ora a recolhe para ferir. Aliado, quando dilui na distância a dor aguda dos dias pesados, quando envolve as feridas num manto de esquecimento e devolve, pouco a pouco, a leveza que parecia perdida para sempre. É ele quem empresta perspectiva às escolhas passadas, quem transforma tragédias em lembranças suportáveis, quem devolve o poder de olhar para trás sem se afogar no mesmo peso. Na presença do tempo há ternura: a promessa silenciosa de que nada permanece tão intenso que não possa, um dia, ser respirado com serenidade.
Mas o mesmo tempo que acalenta é também um algoz paciente. Avança com dedos invisíveis sobre o corpo, riscando na pele mapas de sua passagem, retirando da carne a agilidade, da mente a inocência, do olhar a novidade. É ele quem sussurra, a cada aniversário, a contagem regressiva que fingimos não ouvir. Nenhum instante é preservado, nenhum rosto amado é poupado: o tempo recolhe vozes, dissolve presenças e nos deixa a estranha herança da ausência.
Na infância, ele parecia um bem infinito. Os dias se estendiam como territórios vastos, as férias de verão pareciam não ter fim, e a espera de uma semana era sentida como eternidade. A vida se erguia diante de nós como se não houvesse limite, e a pressa era um conceito estrangeiro. Mas na velhice o tempo encolhe, contrai-se, torna-se um bem escasso. Os dias, outrora longos, parecem escorrer com rapidez cruel, e o futuro, que antes se erguia como horizonte aberto, encolhe-se em linhas cada vez mais próximas. Talvez seja nessa mudança de escala que mais sentimos sua duplicidade: aliado, quando nos dava a sensação de infinitude; carrasco, quando revela que essa abundância era apenas ilusão.
E há ainda sua relação com a
memória, território em que age com crueldade e generosidade ao mesmo tempo.
Algumas lembranças ele apaga por completo, reduzindo-as a pó, como se nunca
tivessem existido. Outras, ele cristaliza em detalhes minuciosos: um cheiro,
uma luz da tarde, uma voz qu
e ecoa nítida mesmo depois de décadas. Assim, o
tempo é guardião de relíquias que nos definem, mas também ladrão de rostos que
gostaríamos de manter. Ele decide o que permanece e o que se dissolve, e
raramente respeita nossas vontades. A memória, portanto, é ao mesmo tempo
dádiva e ferida, prova de sua benevolência e de sua indiferença.
Talvez seja nesse duplo papel que resida sua essência. O tempo não é amigo nem traidor, é apenas inexorável. Guardião das memórias, algoz das presenças, ele nos entrega cada instante já marcado pela condenação de se perder. Ele concede renovação e anuncia a finitude.
E assim caminhamos em sua
companhia, como quem se aproxima de um fogo sagrado. O tempo, guardião dessa
chama, mantém-na acesa com cada instante que nos oferece, mas consome a lenha
da nossa juventude, da inocência, dos amores que um dia nos habitaram. Com o passar
dos anos, a chama oscila, vacila, e a matéria que a sustenta se torna cada vez
mais escassa, deixando-nos conscientes da transitoriedade de sua luz. Talvez a
única sabedoria seja aquecer a alma enquanto há calor, aceitar que cada
instante possui sua própria chama — bela, frágil, e carregada, em sua essência,
da promessa silenciosa de se extinguir.

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