Conversando com um amigo esta semana, ele expressou sua preocupação com o mundo atual. Ele me falava nostalgicamente sobre o mundo em que nasceu. "Um mundo mais fácil de ser compreendido, onde tudo era mais claro e organizado. Cada coisa parecia ter seu lugar fixo. Naquele mundo, a distinção entre certo e errado era mais nítida e as opiniões sobre questões éticas e sociais eram mais facilmente formadas. “
Aquele mundo, dizia ele, “contrasta
com o mundo atual, onde a incerteza parece reinar, as fronteiras entre o certo
e o errado se tornaram difusas e qualquer palavra pode ser interpretada de
forma negativa.“
Devo adiantar que acredito
firmemente que estamos constantemente evoluindo para melhor. No entanto, as
palavras do meu amigo me deixaram profundamente intrigado, levando-me a
refletir sobre por que estamos evoluindo para um mundo cada vez mais complexo,
fluido e ambíguo - um mundo mais desafiador de navegar. Convido você, caro
leitor, a se juntar a essas reflexões.
Em minhas pesquisas, descobri que
a tendência em direção à fluidez e à ambiguidade não é algo novo, mas tem sido
observada ao longo da história em diferentes contextos e sociedades. Em
períodos de mudança rápida, como durante revoluções culturais ou avanços
tecnológicos significativos, é comum que as fronteiras tradicionais e as
definições claras se tornem menos distintas, resultando em uma maior
ambiguidade. Enquanto a ambiguidade sempre foi uma parte da experiência humana,
a sua manifestação e influência podem ser amplificadas em certos períodos e
contextos históricos.
Durante a Revolução Industrial
(século XVIII a XIX), por exemplo, houve uma aceleração significativa da
ambiguidade em muitos aspectos da vida. A transição da produção artesanal para
a produção em massa, juntamente com avanços tecnológicos como a introdução de
máquinas a vapor e a mecanização dos processos de fabricação, resultou em
mudanças profundas na sociedade, economia e cultura.
Essa rápida transformação trouxe
consigo uma série de ambiguidades e incertezas. Por exemplo, as relações de
trabalho foram redefinidas, dando origem a novas formas de emprego e
organização do trabalho. As fronteiras entre as classes sociais tornaram-se
mais fluidas à medida que surgiam novas oportunidades e desafios. O deslocamento
das populações rurais para as áreas urbanas, muitas vezes em busca de trabalho
nas fábricas, levou a uma mistura de diferentes tradições e estilos de vida.
Isso resultou em um ambiente onde as normas culturais tradicionais muitas vezes
se chocavam ou se mesclavam com novas práticas e valores urbanos.
Além disso, a industrialização
trouxe mudanças na estrutura familiar e nas relações de gênero. Com o aumento
das oportunidades de trabalho fora de casa, especialmente para mulheres e
crianças, as funções tradicionais de gênero e as dinâmicas familiares foram
reavaliadas e, em muitos casos, redefinidas. Isso também contribuiu para uma
maior fluidez nos papéis sociais e nas expectativas culturais.
No entanto, essa não é uma característica
exclusiva da Revolução Industrial. Ao longo da história, há vários registros de
um aumento significativo da instabilidade nos costumes, como no Renascimento
(século XV), na Reforma Protestante (século XVI) e na Revolução Francesa (final
do século XVIII).
Assim, é possível supor que, se
meu amigo tivesse vivido durante a era inicial da Revolução Industrial, ele
poderia ter feito observações semelhantes sobre o mundo em que estaria
inserido.
Após o período inicial de rápida
industrialização e urbanização, houve um momento em que a sociedade buscou uma
maior estabilidade e definição em seus costumes e normas sociais. Isso pode ser
observado em certos aspectos, como a consolidação de instituições sociais e
políticas, a codificação de leis trabalhistas e a formação de movimentos
sociais que buscavam regular e padronizar certos aspectos da vida cotidiana.
Todo esse movimento de
estabilização teve impacto nos costumes, que também vivenciaram um momento de
relativa estabilidade e consistência. Isso proporcionou uma sensação de ordem e
clareza em muitos aspectos da vida cotidiana, à medida que a sociedade se
adaptava às transformações trazidas pela Revolução Industrial.
Meu amigo viveu sua juventude
durante o período pós Revolução Industrial e antes da Revolução Digital, o que
contribui para sua percepção de que o mundo era mais fácil de ser compreendido,
a distinção entre certo e errado era mais nítida, e as opiniões sobre questões
éticas e sociais eram mais facilmente formadas.
O final do século XX testemunhou
uma série de movimentos sociais e culturais que desafiaram as normas existentes
e aumentaram a ambiguidade nos costumes. Isso incluiu o movimento pelos
direitos civis nos Estados Unidos, o movimento feminista, o movimento pelos
direitos LGBTQ+, entre outros. Esses movimentos levaram a uma reavaliação das
relações sociais, identidades e valores culturais, criando um ambiente de maior
instabilidade e diversidade de perspectivas.
Na esteira destes movimentos
desestabilizadores do final do século XX surge a Revolução Digital, que catapulta
a fluidez e a ambiguidade nos costumes.
Essa revolução, caracterizada
pelo rápido desenvolvimento e adoção generalizada das tecnologias digitais, tem
um impacto profundo na sociedade contemporânea, especialmente nos costumes e
nas normas sociais.
A internet e outras tecnologias
digitais tornam a informação amplamente acessível a uma escala sem precedentes.
Isso permite que pessoas de diferentes origens culturais e geográficas tenham acesso
a uma variedade de perspectivas, ideias e valores.
As redes sociais online têm um
papel significativo na formação e expressão da identidade pessoal. Elas
oferecem espaços onde as pessoas podem experimentar diferentes identidades,
explorar interesses variados e se conectar com comunidades diversas.
Novas tecnologias emergentes,
como inteligência artificial, realidade virtual e blockchain, continuam a
desafiar e transformar os costumes e as normas sociais. Essas inovações têm o
potencial de alterar fundamentalmente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos
relacionamos, criando novas possibilidades e desafios que contribuem para a
fluidez e a ambiguidade nos costumes.
Portanto, a julgar pelos
registros históricos e pelas condições reinantes em nosso ecossistema cultural,
tudo indica que teremos à frente, não se sabe quando, mais um ciclo de estabilidade
de costumes, que será prenúncio de novas eras desestabilizadoras. Esse padrão
cíclico de períodos de estabilidade seguidos por períodos de transformação é
uma característica intrínseca da evolução cultural da humanidade. É através
desse ciclo que a cultura humana se adapta, evolui e se renova, refletindo a
complexidade e a dinâmica da experiência humana.
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