Durante muito tempo, sustentamos a ideia de que amadurecer é acumular experiências, aprender a se defender, tornar-se mais forte. Mas há outro tipo de maturidade — mais secreta, mais solitária — que não se resume a resistir ao mundo, mas a desfazer-se das fantasias com que tentamos, por tanto tempo, proteger-nos dele.
Essas fantasias não surgem por
acaso. São construídas ao longo da infância e da juventude como andares
imaginários sobre os quais conseguimos habitar um mundo que ainda nos é
estranho. A criança fantasia que será admirada, aceita, querida por ser quem é.
O adolescente sonha com um amor perfeito que o completará, com uma profissão
que o resgatará, com uma vida que finalmente fará sentido. Tudo isso não é
mentira — é sobrevivência. São as primeiras formas de esperança.
Mas o problema das ilusões não é
que sejam falsas — é que, um dia, tornam-se insuficientes.
Na idade adulta, aprendemos a
administrá-las. Não acreditamos mais que a felicidade será perfeita, mas ainda
esperamos que ela venha. Suportamos relações mornas, trabalhos exaustivos,
rotinas incoerentes, desde que algo lá na frente justifique o esforço. As
ilusões amadurecem conosco: tornam-se mais discretas, mais sofisticadas, mais
difíceis de perceber. Mas continuam lá, sustentando a estrutura invisível de
nossas decisões.
Até que a maturidade verdadeira
chega — aquela que não está na certidão, mas no corpo, nos olhos, na alma. E
com ela, vem um esgotamento difícil de nomear. Já não é mais possível manter
certas encenações. O tempo se encurta, a paciência se dissolve, e uma pergunta
começa a nos assombrar: "Era isso mesmo?" É quando sentimos que há
algo em nós que precisa morrer — e isso, quase sempre, é o personagem que
inventamos para sobreviver.
Nesse ponto, há uma escolha
silenciosa. Alguns, assustados, decidem reforçar as velhas ilusões: pintam os
cabelos, trocam de parceiro, compram objetos, fingem entusiasmo. Outros — e são
poucos — traem suas próprias idealizações. Traem o eu que imaginaram ser. E
nessa traição, paradoxalmente, se tornam reais.
Porque tornar-se real exige uma
infidelidade profunda: abandonar a criança encantada, o jovem esperançoso, o
adulto promissor — todos esses eus que, em algum momento, nos serviram tão bem.
É uma perda dolorosa. Quase sempre, é vivida como um luto. Mas é também o
início de uma liberdade silenciosa: a de não mais precisar representar.
Alguns não suportam esse
processo. Sentem que traíram a si mesmos ao abrir mão dos sonhos que os
sustentaram. Mas o que talvez não percebam é que a fidelidade a essas imagens,
quando ultrapassado o tempo delas, não é mais fidelidade — é prisão. A
verdadeira lealdade a si mesmo pode exigir a renúncia de tudo o que, um dia, se
acreditou ser.
É por isso que a maturidade, para
quem a vive por inteiro, não é apenas uma fase — é uma travessia. Um tipo de
segundo nascimento. Com menos aplauso, menos testemunha, mas infinitamente mais
verdadeiro. E é nesse lugar, despojado e nu, que algo novo pode enfim surgir:
não o que sonhamos ser, mas o que, apesar de tudo, conseguimos nos tornar.
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