Pular para o conteúdo principal

Quem Viveu Por Você Enquanto Você Vivia para o Futuro?

Agora que o tempo se estreita e os dias não são mais promessas, posso finalmente dizer aquilo que evitei a vida inteira:

 

Eu vivi para o futuro.
Como quem trabalha para um patrão que nunca aparece.
Fiz planos, sacrifícios, renúncias. Aguentei o insuportável dizendo a mim mesmo: “um dia vai valer a pena”.
E esse dia nunca chegou — pelo menos, não da forma que eu esperava.

 

Houveram momentos bons, claro. Frutos de tudo que construí, pessoas que amei, aprendizados que carrego comigo.
Mas o amanhã sempre foi uma miragem na linha do horizonte.
Quando parecia que estava perto, já havia se transformado em outro plano, mais distante, mais exigente, mais ameaçador.
Era como se o depois estivesse sempre um pouco além do alcance do esforço de hoje.

 

E eu segui.
Segui sem respirar direito.
Sem me permitir pausas.
Sem perder tempo com bobagens.
Porque bobagens não constroem um futuro sólido. E eu queria solidez.

 

Eu recusei convites, silenciei impulsos, adiei viagens, adormeci paixões.
“Depois”, eu dizia.
“Agora é hora de construir.”

 

Mas o que eu construí foi um labirinto.
Um tempo sem saída.
Onde o presente era só o que precisava ser feito para que o depois fosse melhor.

 

E esse depois… nunca foi suficiente.
Quando finalmente chegou, o futuro já vinha acompanhado de novos medos, novas metas, novas exigências.

 

E agora, que não há mais depois, eu olho para trás e me pergunto:
quem viveu por mim enquanto eu vivia para o futuro?


Ninguém.
Ninguém pode viver o presente em nosso lugar.
O tempo não aceita procuração.

 

Eu fui produtivo, fui prudente, fui sensato.
E, talvez por isso mesmo, não fui livre.
Eu fui funcional demais para ser verdadeiro.

 

Se você me escuta agora e ainda tem tempo, peço que me leve a sério:
não viva a vida como um adiantamento.
Porque o futuro, meu amigo, é um cliente ingrato.
Ele sempre exige o que você tem de melhor… mas nunca paga o bastante.





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Ilusão do Presente

O presente não existe. É apenas o futuro se transformando em passado. É uma massa enorme de futuro sendo engolida pelo passado, bem na sua frente. É um turbilhão de acontecimentos e emoções que acorda a mente eternamente adormecida. Eu me lembro quando tinha 8 anos e meu pai me levou ao cinema pela primeira vez. O filme em preto e branco estava passando em uma tela enorme. Fiquei fascinado com cada cena projetada diante dos meus olhos. Curioso e cheio de perguntas, pedi a meu pai para me levar até a sala de projeção. Lá, o técnico me mostrou uma máquina imponente com dois rolos. Ele explicou pacientemente: "Este rolo é o que já passou do filme, e este outro é do que ainda vai passar". "É como o passado e o futuro?", perguntei. "É sim", ele respondeu. " “E o presente?", questionei. "Ele não está representado aqui nesta máquina, mas lá embaixo. É a experiência de assistir ao filme". Aquele momento, onde a compreensão do pass...

Testamento

A s reflexões sobre o que nos aguarda após a última despedida são tão antigas quanto a história da humanidade. Elas atravessam diferentes culturas, filosofias e épocas, como um rio que flui incessantemente por essa paisagem da existência. No entanto, neste momento, não é minha intenção penetrar os reinos desconhecidos além da vida terrena, nem tecer conjecturas metafísicas. Em vez disso, quero compartilhar meus desejos e esperanças para o que ocorrerá neste mundo após meu último suspiro. Quanto à cerimônia final, desejo que seja suave como uma brisa da primavera, breve como um raio de sol num dia de chuva. Não desejo ser motivo de tristeza, mas sim de serenidade, uma lembrança que não causa sofrimento aos corações. Se lágrimas fluírem, que sejam lágrimas de gratidão pela jornada compartilhada. E se a música fizer parte desse momento, o que terá meu apreço, que seja uma melodia alegre, uma celebração da vida que vivi, sem notas de melancolia. Em relação aos restos do que um dia fui,...

A Escolha de Sofia

Na cidade sitiada de Aldoria, Sofia, uma mãe envolta em desespero, encontra-se imersa em uma trama angustiante. Enquanto o exército invasor arde em fúria, prontos para consumir a cidade em chamas e sacrificar seus habitantes, os recursos desaparecem rapidamente. O turbilhão de caos e temor que enlaça a cidade alimenta a urgência de uma decisão que ela deve tomar, uma escolha que ecoará em seu coração para sempre. No meio do tumulto, um membro da resistência local emerge como um raio de luz em meio à escuridão, trazendo consigo um fio de esperança e a promessa de salvação além dos muros da cidade. No entanto, um dilema intransponível ergue-se diante de todos: devido às restrições de espaço e recursos, apenas um adulto responsável e uma criança podem seguir adiante. Se Sofia estiver interessada, deve acompanhá-los imediatamente, pois o plano de fuga já está em curso. Sofia está imersa em uma névoa de confusão, onde o sabor amargo da esperança se mistura à dor avassaladora que dilacera se...