No centro da mente, onde todas as vozes se encontram e se confundem, habita uma entidade solitária e incansável: o Senhor das Escolhas. Ele não tem rosto, não tem forma, mas carrega sobre si o peso de cada escolha que molda um destino. Como um negociador entre dois reinos rivais, ele se senta à mesa com a Razão e a Emoção, dois poderes tão distintos quanto inseparáveis.
De um lado, a Razão ergue-se altiva, vestindo-se
de lógica e clareza. Seus olhos frios pesam argumentos, sua voz é firme,
calculada, insensível ao apelo do coração. Ela aponta dados, relembra
experiências passadas, traça linhas racionais entre causas e consequências.
"Se me ouvires, evitarás arrependimentos, fugirás das armadilhas da
impulsividade," ela sussurra.
Do outro lado, a Emoção se inclina, vibrante,
indomável. Sua voz oscila entre o sussurro sedutor e o clamor impetuoso. Ela
apela à intuição, às memórias mais ternas, aos medos e aos desejos mais
secretos. "Se me seguires, viverás plenamente, sem o peso da frieza, sem a
aridez da lógica absoluta," ela promete.
O Senhor das Escolhas escuta, absorve, pesa. Mas
seu dilema é cruel. Ele sabe que nem sempre a Razão oferece o melhor caminho,
pois sua lógica pode ser impiedosa, cega para os matizes sutis da vida. E sabe
também que a Emoção pode levá-lo ao abismo, ao se entregar às marés passageiras
do sentir. Seu papel é unir os dois, fazer com que dancem em harmonia,
encontrar o ponto em que ambos não se destruam, mas se completem.
Mas o desafio não termina aí. Há outra variável,
uma que torna a negociação ainda mais complexa: a qualidade da Razão e da
Emoção. Nem toda Razão é exata, nem toda Emoção é autêntica. Às vezes, a Razão
está embotada, alimentada por premissas falhas e verdades distorcidas. Outras
vezes, a Emoção está ferida, moldada por traumas e ilusões. Como decidir quando
os alicerces sobre os quais se constrói a escolha são frágeis?
Ele fecha os olhos, se pudesse tê-los. Examina as
ferramentas que tem em mãos. Sabe que não pode aspirar à escolha perfeita, pois
essa é um mito, um sonho inalcançável. Mas pode buscar a melhor escolha
possível, aquela que se sustenta sobre o melhor equilíbrio que pode criar entre
os dois reinos. Talvez nunca saiba se decidiu corretamente. Mas, quando entrega
sua decisão, ele o faz com a consciência tranquila de que negociou da melhor
forma possível, com os recursos que tinha.
Ainda assim, a incerteza o assombra. Ele segue em
frente, mas carrega consigo as sombras das decisões que não foram tão sábias
quanto deveriam. Olha para trás e vê os rastros de escolhas falhas, bifurcações
que talvez levassem a caminhos mais brandos, atalhos que nunca ousou tomar. Ele
se pergunta quantas vezes foi enganado por uma Razão que julgava impecável, mas
que se apoiava em verdades incompletas. Quantas vezes se deixou seduzir por uma
Emoção que, sob o véu da autenticidade, ocultava apenas medo ou carência?
Essa frustração pesa como uma dívida impagável. Se
seu papel é encontrar o equilíbrio, por que tantas vezes a balança pende para
um lado ou outro? Por que, mesmo com todo o esforço, a harmonia entre Razão e
Emoção se mantém fugidia, sempre instável, sempre escorregando pelos dedos no
instante em que parece alcançada?
Mas o Senhor das Escolhas não é onisciente. Não é
infalível. A Razão e a Emoção não são forças puras, cristalinas, inalteráveis.
Elas são moldadas pelo mundo, distorcidas por experiências, contaminadas por
vozes que não são suas. A sociedade sussurra ilusões de lógica onde há apenas
conveniência. O passado impõe medos que se disfarçam de intuição. Como poderia,
então, decidir com perfeição, se as próprias ferramentas que usa são
imperfeitas?
Ele respira, se pudesse respirar. E compreende que
seu fardo não é ser impecável, mas ser honesto consigo mesmo. Não pode se punir
por não alcançar o impossível. Pode apenas aceitar que faz o melhor que pode,
com a Razão que possui e a Emoção que carrega, ambas limitadas, ambas feridas,
ambas tentando, como ele, encontrar seu próprio equilíbrio.
Ainda assim, a inquietação permanece. Ele sabe
que seguirá errando, que continuará tropeçando nas armadilhas da mente, sendo
traído por verdades enviesadas e impulsos disfarçados de liberdade. Mas talvez
o verdadeiro alívio não esteja em acertar sempre, e sim em compreender que nem
toda escolha precisa ser uma sentença, nem todo erro precisa ser uma
condenação.
O Senhor das Escolhas não pode fugir ao seu
destino, mas pode aprender a caminhar sem se acorrentar ao peso de cada
decisão. Pois, no fim, escolher não é um fardo esmagador, e sim um exercício
contínuo de existir.
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