Ele não chega com alarde. Nunca chegou. Desde sempre, habita um canto da casa onde morei, da rua por onde voltava sozinho, da cadeira vazia no jantar de domingo. Às vezes se esconde nas dobras do lençol, às vezes caminha ao meu lado, sem pressa, sem pedir nada — apenas presente.
Chamá-lo de vazio talvez seja injusto. Ele tem olhos, embora não pisque. Tem braços, embora não abrace. Tem nome, mas nunca o diz. Crescemos juntos. Enquanto eu aprendia a caminhar, ele aprendia a se esgueirar para dentro dos meus silêncios. Quando perdi o que nunca tive, ele foi o primeiro a me dizer, sem palavras, que haveria outras perdas. E que nenhuma delas me destruiria por completo.
Com o tempo, deixei de temê-lo. Descobri que ele me acompanha não para me lembrar do que falta, mas para manter vivo o desejo de procurar. Ele não é a ausência em si — é o espaço onde cabem as possibilidades. Não me empurra para frente com promessas, mas me faz mover para que o movimento não cesse.
Nos dias de festa, senta-se ao meu lado e observa. Ninguém o vê. Eu o sinto — discreto, educado, quase grato por ser lembrado. Às vezes dança comigo quando todos já foram embora. Sua dança é leve, como se ele me dissesse que o fim de cada coisa é apenas o início da escuta. É depois do aplauso, depois da despedida, que ele se manifesta com mais nitidez. No eco.
Talvez por isso eu tenha aprendido a amar melhor. Porque amo com o espaço que ele deixa. Porque não preencho o outro com minhas urgências. Porque sei que tudo o que é vivo precisa de um pouco de vazio para respirar.
Quando tudo se agita ao redor — as opiniões, os compromissos, as expectativas —, ele se aproxima, e me recorda que o essencial não grita. O essencial sussurra. Às vezes se cala.
Outros o chamam de solidão. Alguns o confundem com tristeza. Mas eu sei quem ele é. Sei o que faz. E sei que, se um dia ele me abandonar, talvez eu também me abandone. Porque foi dele que aprendi que o silêncio não é um fim. É uma fenda por onde escapa a verdade.
Eu o acolho como se acolhe um velho amigo — desses que conhecem nossas derrotas, nossos desertos e, mesmo assim, ficam. Ou talvez por isso mesmo.
O vazio não me falta. Me forma.
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