O tempo sempre se insinuou em minha vida como uma presença ambígua, um companheiro de passos invisíveis que ora estende a mão para suavizar, ora a recolhe para ferir. Aliado, quando dilui na distância a dor aguda dos dias pesados, quando envolve as feridas num manto de esquecimento e devolve, pouco a pouco, a leveza que parecia perdida para sempre. É ele quem empresta perspectiva às escolhas passadas, quem transforma tragédias em lembranças suportáveis, quem devolve o poder de olhar para trás sem se afogar no mesmo peso. Na presença do tempo há ternura: a promessa silenciosa de que nada permanece tão intenso que não possa, um dia, ser respirado com serenidade. Mas o mesmo tempo que acalenta é também um algoz paciente. Avança com dedos invisíveis sobre o corpo, riscando na pele mapas de sua passagem, retirando da carne a agilidade, da mente a inocência, do olhar a novidade. É ele quem sussurra, a cada aniversário, a contagem regressiva que fingimos não ouvir. Nenhum instante é preserv...
Houve um tempo em que o futuro tinha forma. Ainda que incerto, ainda que repleto de surpresas, ele se erguia diante de nós como um baralho cuidadosamente embaralhado: não sabíamos a ordem das cartas, mas conhecíamos cada naipe, cada figura, cada número. Cada passo dado hoje tinha um eco previsível amanhã, e até mesmo o medo ou a esperança carregavam um consolo — sabíamos que todas as possibilidades estavam ali, à espera de serem descobertas. Hoje, tudo mudou. O futuro perdeu substância. Não há cartas sobre a mesa, não há mesa, talvez nem baralho. Apenas um espaço indefinido, um vazio onde tudo pode nascer ou não nascer, e onde qualquer gesto que imaginamos parece se dissolver antes de tocar algo real. Caminhar em direção a ele é sentir os pés deslizarem sobre um chão que desaparece a cada passo, uma corda suspensa sobre o nada, fina, instável e impossível de agarrar. E há uma tristeza silenciosa nesse contraste. A nostalgia não vem apenas de desejar o que se perdeu, mas de perceber...